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A Saudável Prática do Phoda-se


Nas últimas semanas, me desliguei das mídias sociais, facebook, twitter, whatsap e de tudo que me prendia. Fiz um exorcismo midiático, uma verdadeira profilaxia midiática. E digo a vocês, está sendo muito bom, não estou sentido falta de nada que me prendia, nada que me orientava a essa cultura da conexão. É um tesão está desconectado!
Estou me sentido leve e sem obrigações, sem a paranoia de olhar de segundos em segundos para ver as mesmas mensagens das mídias sociais. Estou tendo um tempo para o ócio, um tempo para minhas loucuras, para meu filho, para minha adorada Esposa. Também estou praticando o toque, o beijo, o abraço, o escutar, o desfrutar da presença de quem tanto amamos. Amigos está sendo muito bom, pois estou em paz comigo mesmo, estou saboreado a companhia de quem mais amamos e se reciclando das mídias sociais.
Para concluir esse post, faço uso de um belo e tântrico texto de Millôr Fernandes que infelizmente nos deixou em 27 de março de 2012.

Então leitores de nossa Nau, apresento “O direito ao Foda-se” para exprimir minha condição nesta fase de ócio e degustação afetiva familiar.


“O direito ao Foda-se”
O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?

O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo?

Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.

É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia. "Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade do que "Pra caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática.

A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!" e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!" o substituem.

O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.

Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e, mais recentemente, o "prepone" - presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato "Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba... Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?
Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa.

Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".

Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!


Millôr Fernandes


Observações: Os textos de Millôr Fernandes, são verdadeiras obras primas, que nos leva a refletir sobre nossa condição de miseráveis que somos e qual magníficos podemos ser.
Sua coleção de textos mostra quão criativo, culto e critico pode chegar um sujeito amante da cultura e da arte.
Millôr se caracterizava-se como "livre-atirador", “buscava não se comprometer com qualquer movimento organizado político ou religioso, considerando a ideologia uma "bitola estreita para orientar o pensamento". Defendia o livre pensar justificando que "não existe pensador católico. Não existe pensador marxista. Existe pensador. Preso a nada. Pensa, a todo risco".
Suas crenças não se baseavam-se em dogmas, ou conceitos, sua criatividade e suas ideias eram centrais com objetivos claros, suas críticas eram especificas para todos que se deleitava do poder dominante, segundo seus amigos próximos, Millôr acreditava que ser humano era “inviável” pois oprimia seus semelhantes por nada ou por coisas efêmeras.


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