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Iral a curumim guerreira Apuká e sua luta contra Gniyllub o espirito da escuridão da alma

Na segunda lua cheia do terceiro mês do calendário Apuká, nasceu uma jovem guerreira que motivou com seu exemplo muito curumins (crianças indígenas) Apukás. Segundo relatos do conselho dos anciões, essa jovem guerreira possui em seu espirito as dez virtudes dos Apukás, tais virtudes são os ideais que muitos perseguem ao longo de sua jornada para alcançar a felicidade, sabedoria, dignidade, honra e pureza de coração.


Conforme relatos, essa curumim recebeu o nome de Enairal, em homenagem a estrela que guia os Apukás na escuridão da floresta. O nome foi indicado por sua família que em apuká significa “Menina que Brilha”. Enairal gosta do diminutivo do nome, Iral que em apuká quer dizer “Menina Guerreira”, maneira como a Mãe e os mais próximos a chamam carinhosamente.


Iral é ímpar, diferente de todas e todos que nasceram na tribo. Essa pequena Apuká, como as outras, receberam de suas famílias e das divindades as dez virtudes dos Apukás, porém, ela e os outros curumins deverão cultivar as virtudes para que cresçam com amor, respeito, dignidade, honra e felicidade.


Os Apukás acreditam que Iral possui uma sensibilidade humana acima da média, que motiva todos a buscarem a plenitude humana, a serem guerreiros e guerreiras dotados de justiça, simplicidade e solicitudes, para que sejam bondosos, generosos, valentes que não tenham medo da escuridão que assola a alma dos Apukás.


Para os anciões, Iral possui virtudes divinas que, muitas vezes, ajudam a combater a escuridão da alma que vem do espírito do mal, que eles chamam de Gniyllub.


O que é Gniyllub?


Os Apukás não sabem direito qual é a origem do Gniyllub, mas sabem que é um espirito do mal que assola muitas crianças em idade de aprendizagem, dizem que esse espirito muda o comportamento de bons curumins, lançando feitiços que os levam a agredir, apelidar pejorativamente, discriminar, disseminar rumores, mentiras e outras formas de maldades que levam a alma de um curumim a se tornar triste.


Os curumins possuídos pelo espirito do Gniyllub são egoístas, insolentes, não respeitam ninguém, não respeitam seus pais, seus professores, são mimados, não tem educação, falam alto para chamar a atenção, são preguiçosos, dissimulados, mentirosos, vaidosos, se acham adultos e maduros e com o tempo se tornam crianças insuportáveis e desagradáveis.


O mais incrível é que tais curumins e seus pais não percebem esse comportamento mal, até acham que são crianças criativas, inteligentes e com personalidade forte.


Na verdade, esses curumins possuídos pelo Gniyllub são crianças pobres de espirito, que fazem maldades sem perceber, perderam a noção que são crianças devido ao mal comportamento que possuem.


Dizem que certa vez em um grupo de crianças estavam no meio da aldeia brincando quando três curumins começaram a mudar de comportamento. Tais curumins começaram agredir, apelidar as outras crianças pejorativamente, começaram a discriminar, a rir do cabelo, do nariz, da altura de outras crianças, começaram a disseminarem rumores e mentiras desagradáveis sobre Iral e seus amigos.


Ela sendo iluminada não brigou com as crianças possuídas pelo Gniyllub, mas chamou os anciões que estavam próximos do grupo e disse que tais crianças estavam sendo tomada pelo espirito da escuridão.


Naquele momento, um dos anciões aproximou-se do grupo e disse aos três que estavam possuídos pelo espírito do Gniyllub, que proferissem as palavras mágicas para afastar o espirito que estava tomando o corpo e a mente deles.

Se eles não aceitassem todos seriam levados para fazer um ritual sagrado na Aicageled, um local sinistro onde ficam os guerreiros aprisionados e exclusos da tribo, que foram possuídos por essas e outras entidades malignas.


No instante que os curumins proferiram as palavras magicas: Aplucsed, Oãdrep e Odagirbo, elas foram libertadas e voltaram a ser crianças.


Mais tarde após escutar este relato, fui convidado para um jantar na oca da família de Iral, ela e sua família disseram que o espírito da escuridão Gniyllub faz muitas maldades e lança alguns feitiços em que suas vitimas percam o interesse de conhecer as coisas, são tomados por um medo muito grande, se isolam das outras crianças e de suas famílias, não falam com ninguém, não conseguem aprender como antes, não se valorizam, se sentem incapazes de fazer qualquer coisa, tem ataques de fúria e impulsividade, querem se agredir bem como agredir outras crianças, atiram objetos para machucar, ou para se defender, além de fazerem marcas pelo corpo que indicam tristeza ou dor na alma.


A guerreira curumim dos Apukás Iral afirmou que não tem medo, não recua diante da intimidação, mas luta bravamente contra Gniyllub e seus feitiços que tomam conta da alma de muitos curumins em idade escolar.


Ela percebeu que o espirito da escuridão Gniyllub se alimentava do medo, então ela incentivou todos os seus amigos a serem corajosos, percebeu também que a tristeza é muito grande, então incentivou-os a serem felizes fazendo brincadeiras, disseminando a solidariedade, o respeito, o carinho e a amizade acompanhados de muita diversão.


IraI incentiva os adultos a respeitarem as crianças e darem carinho, amor, atenção, justiça, simplicidade e solicitudes para que todas as crianças sejam bondosas, altruístas, valentes que sonham com uma aldeia e um mundo melhor.


Como visitante entre os Apukás, tive o privilegio de conhecer Iral e sua família, perceber sua bondade e seu carinho para com todos os Apukás.


E sem dúvidas, Iral é uma guerreira iluminada pelas divindades, por toda a comunidade, abençoada por sua família e por todos os Apukás.


Se você quer saber qual é a estrela Enairal para os Apukás, basta olhar para o céu, pois é o objeto mais brilhante depois da Lua. Essa estrela pode ser vista quatro horas antes do Sol nascer a leste e depois que o Sol se põem a oeste.


Conforme o afastar do Sol, a estrela Enairal pode ser vista a olho nu a qualquer hora do dia, desde que não esteja muito próxima do Sol, essa estrela também é conhecida como a estrela da manhã ou estrela da tarde que ilumina todos os Apukás.



Texto inspirado na obra de Horace Miner In: A.K. Rooney e P.L. de Vore (orgs) You and the others: Readings in Introductory Anthropology (Cambridge, Erlich) 1976, “Ritos corporais entre os Nacirema”.


Imagem: Leila Juday 2018

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