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O descontrole do ódio - Luis Mendes


- E aí Zé, como está a comadre?

- Está bem, obrigado Tonho.

Tonho e Zé eram amigos desde a infância. Eram do mesmo time do bairro e ambos ogãs do terreiro do pai Benedito Feiticeiro. Cresceram juntos, frequentaram a mesma escola e ambos tomaram parte do grêmio estudantil.


Tonho era de Exu e o Zé de Ogum.


Tonho se tornou operário numa fábrica de motores. Zé era vendedor numa loja de departamentos. Durante os planos do governo Sarney, Collor e Fernando Henrique fugiram da repressão nos protestos da avenida Paulista.


Combatiam ferozmente juntos a cartilha do Consenso de Washington. Calhou de ser eleito um governo democrático que sempre sonharam, desde as reuniões de formação política a qual frequentavam na adolescência.


Porém com o golpe, Tonho perdeu o emprego na metalurgica devido a reforma trabalhista.


O Zé foi promovido a gerente na loja de departamentos. Com o desemprego, Tonho fazia o que podia para sustentar a casa, já que o salário da Sebastiana ia quase todo para o aluguel.


Sebastiana era uma bela Preta de Yansan. Com o tempo e com um novo padrão de vida, o Zé abandonou seu orixá e aderiu aos neopentecostais, frequentava assiduamente as reuniões da prosperidade.


Zé tornou-se conservador e preconceituoso com as religiões de matrizes africanas, onde tinha seu orixá assentado.


Tonho vivia nas ruas vendendo bugigangas nos vagões de trem dos subúrbios e fazendo algum bico de servente de pedreiro. Porém, nunca deixava de saudar seu velho Ogum e Exu Elegbara nas encruzilhadas.


O Brasil ficou intolerante, racista e machista, a polícia endureceu com os negros nas ruas. Mulheres são ameaçadas, espancadas, violentadas e mortas.


O Brasil e os homens mudaram.


Era tarde da noite, o pai Benedito Feiticeiro acordou com o barulho da porta do terreiro sendo arrombada! Rapidamente chamou Tonho, seu ogã, para ver o que estava acontecendo.


Tonho estava ali para acompanhar sua companheira na obrigação de Yansan. Aos gritos de Jesus Cristo é o senhor, os invasores quebraram os assentamentos e colocaram fogo no terreiro.


Tonho foi arrastado e espancado no meio da rua, mas reconheceu a voz do seu amigo Zé, embora estivesse com capuz. Pai Benedito Feiticeiro, homem septuagenário não consegui correr, nem Sebastiana que dormia devido a obrigação.


No outro dia haviam dois corpos carbonizados onde havia um velho terreiro de candomblé. Terreiro do velho pai Benedito Feiticeiro.


Os únicos assentamentos que ficaram de pé foi o de Exu e de Ogum, como se fossem testemunhas!


Exu Elegbara o dono do corpo e Ogum orixá incontrolável na guerra quando tomado pelo ódio. Tonho também foi tomado pelo ódio!


Pouco tempo depois o corpo do Zé foi encontrado decapitado. Sua cabeça foi encontrada na porta de sua igreja evangélica. Depois disso Tonho nunca mais foi visto na região.


Aos poucos o Brasil e os homens estão mudando, aos poucos muitas cabeças estão rolando.

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- Luis Antônio Mendes, Escritor, Ativista Social, Educador, Músico da Unidos de Santa Bárbara, natural de São Joaquim da Barra, São Paulo, religioso de matriz africana, capoeirista, autor do livro Conversa de Encruzilhada, lançado pela Desconcertos Editora.

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