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A Ideologia da Segurança Nacional. Padre Joseph Comblin


Na minha retomada de leituras sobre a realidade brasileira, instigado pelo trabalho do coletivo de formação da APP-Independente e pela palestra de abertura feita pelo professor Gaudêncio Frigotto, terminei o terceiro livro da série. O livro da vez foi o do padre Joseph Comblin, A Ideologia da Segurança Nacional - O Poder Militar na América Latina. Os anteriores foram: A Economia Política Brasileira, de Guido Mantega e O Colapso do Populismo no Brasil, do professor Octávio Ianni.


Adquiri esse livro, possivelmente no ano de 1988, quando fiz um curso de formação de quadros do Partido dos Trabalhadores no Instituto Cajamar. O utilizei bastante, especialmente naquilo que ele traz sobre o Brasil. Reconheço hoje, que muito do que penso sobre a realidade brasileira, me veio por meio desse livro. O autor, o padre Comblin, foi professor nas Universidades de Harvard (USA) e de Louvain (Bélgica). Lembro da enorme satisfação que me dava ao ir à Livraria da Brasiliense, na Rua Barão de Itapetininga, na cidade de São Paulo.


Do que trata o livro? Tanto o título, quanto o subtítulo explicitam bem o tema. A ideologia da Segurança Nacional - O poder militar na América Latina. A edição do livro data do ano de 1977 e, já no ano seguinte, foi lançado no Brasil pela Civilização Brasileira. O livro é uma exaustiva pesquisa sobre o tema. Enquanto estava tentando definir os conceitos básicos do livro, buscando nele citações, optei pelas que estão na contracapa do livro.


A Doutrina da Segurança Nacional "é a base em que se apoiam e a força de que se alimentam os regimes militares que, em vários países, se atribuíram, sem consulta à opinião pública, a tarefa de salvá-los do 'comunismo internacional'". A explicação continua, afirmando que ela "não é bastante clara, mas que gera angustiante insegurança individual em nome de algo indefinido e subjetivo", para terminar afirmando que "é, na verdade, uma arma da Guerra Fria anticomunista, antiintelectual, antisindical, anti qualquer pessoa, movimento ou coisa que provoque receio àqueles que a utilizam". O último parágrafo da contracapa fala dos objetivos do livro:


"Este livro do Padre Comlin, professor de teologia das Universidades de Harvard e Louvain, fruto de minuciosa pesquisa e escrito em linguagem elevada, desmistifica tais pressupostos e demonstra que somente se alcança a verdadeira segurança de uma nação quando povo e governo, por ele escolhido, marcham democraticamente unidos em busca da paz e justiça social".


É uma doutrina criada pelos Estados Unidos, difundida em suas escolas militares para os militares latino americanos, doutrinados assim,, para serem os esteios da democracia, sempre ameaçada pelo "comunismo internacional". Na conclusão do livro lemos algo muito esclarecedor sobre as origens da doutrina, onde estão localizadas as fontes da doutrina: "O que aconteceu na ilha de Cuba envolveu diretamente todas as nações latino-americanas. A história de cada uma delas ficou marcada de modo decisivo.


A Revolução cubana pode ser considerada como o equivalente da Revolução Russa para a América Latina: O que essa revolução significou para a Europa, o fidelismo significou para a América Latina". A Revolução cubana não poderia se repetir, custasse o que custasse, ou seja, a guerra deveria ser uma guerra total e permanente. Para deixar bem claro, a Ideologia da Segurança Nacional é uma reação ao comunismo internacional, que permanentemente ameaça o ocidente democrático e cristão e os seus valores.


O livro contém uma introdução, uma cronologia dos Regimes de Segurança Nacional na América Latina, cinco capítulos, conclusão e bibliografia. Dou os títulos e subtítulos dos capítulos:


Capítulo 1. A Doutrina. I. Os conceitos básicos - A) A geopolítica e a bipolaridade: 1) A geopolítica vista pela doutrina; 2) A geopolítica na América Latina; 3) O conceito geopolítico de Nação: 4) Bipolaridade. B) A guerra Total. 1) O conceito de guerra generalizada; 2) A Guerra Fria; 3) A guerra revolucionária. II. Os elementos da Doutrina: A) os objetivos nacionais: 1)Definição dos objetivos nacionais; 2) Unidade dos objetivos nacionais. B) A segurança nacional; 1) Definição da Segurança nacional; 2) Novidade do conceito de Segurança nacional; 3) Extensão da Segurança. C) O Poder nacional: 1) O sentido do poder; 2. As divisões do poder nacional: D) A Estratégia Nacional e E) Segurança e Desenvolvimento.


Capítulo 2. O Sistema. I. O Sistema político: A) O transitório e o definitivo; B) O Estado; C) O Estado militar; D) As Instituições; E) O Exército do Poder e F) interpretações. II. O Sistema Social visto através do exemplo brasileiro: A) Dados materiais e B) Interpretação do Sistema Social.


Capítulo 3. A Segurança Nacional nos Estados Unidos: I. A Doutrina: A) A doutrina da Segurança Nacional: 1) A Segurança Nacional como linguagem; 2) As origens do conceito; 3) Evolução do conceito; 4. Extensão da Segurança; B) O Mundo da Segurança Nacional: 1) A preparação; 2) Os homens da Segurança Nacional; 3. "Os homens do presidente". C) O Estado de Segurança Nacional: 1) A presidência imperial; 2. As instituições da Segurança Nacional e 3) O Pentágono. II. A Influência da Doutrina Americana nos Estados Dependentes. A) O Sistema Militar Interamericano: 1. A integração das forças armadas do continente americano; 2. Da ajuda militar à venda de armamentos e 3) Os programas de formação militar. B) A Missão dos Militares no Sistema Interamericano: 1) Primeira fase: 1961- 1968 e segunda fase: 1969- 1977.


Capítulo 4. A Segurança Nacional na América Latina. I. O Brasil. A) A fase de preparação: 1) Preparação remota e 2) A Escola Superior de Guerra. B) A Segurança Nacional no Poder: II. O Peru. A) A Revolução Peruana; B) A preparação; C) Modificações na Doutrina da Segurança Nacional e D) As armadilhas da Segurança Nacional. III. O Chile. A) Formação e B) Posições. IV. A Argentina. A) O contexto ideológico; B) A variante argentina da Segurança Nacional. V. O Uruguai. VI. O Equador. VII. A Bolívia.


Capítulo 5. A Paz e a Política. I. O mito americano da guerra; A) Estratégia e Política; B) O mito da guerra generalizada e absoluta; C) O mito da Guerra Fria; D) O mito da Guerra Revolucionária; E) A mistificação da Inteligência. II. Reconstruir a Política. A) Política e Paz; B) Política, Estado/Nação; C) Política e Moral; D) A formação da Nação no Terceiro Mundo. III. As ciladas da Segurança Nacional. A) O perigoso fascínio do Absoluto; B) Segurança e violência; C) Insegurança e Desenvolvimento. IV. A Utopia dos objetivos nacionais: A) Os avatares do interesse nacional; B) Utopia e razão; C) Objetivos e valores espirituais; D) Objetivos nacionais e desenvolvimento. V. A Alienação do Poder Nacional. A) O círculo do Poder; B) O homem e o poder; C) A cultura e o poder; D) Poder e subdesenvolvimento.


É uma leitura altamente recomendável e esclarecedora. Eu tive mais gosto pelos capítulos I, III e IV. São os mais históricos, sendo que o de número 1, que também é teórico, assim como o II e V. O V é muito atual, especialmente após o golpe de 2016. Basta substituir o termo "marxismo universal" por "marxismo cultural". Assim a guerra total já pode recomeçar. O inimigo já está identificado e os militares, por enquanto se infiltrando nas instituições e na vigilância.


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Pedro Eloi Rech: Formação em Filosofia, Especialização em Desenvolvimento Econômico e Social Brasileiro, Mestrado em História e Filosofia da Educação PUC-SP, Professor de História da rede pública do Estado do Paraná e Professor do Ensino Superior nas áreas de Filosofia, Sociologia e Teoria Política.

- Artigo publicado originalmente no Blog do Pedro Eloi

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