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A Síndrome da Dona Florinda

  • Foto do escritor: O Argonauta
    O Argonauta
  • 28 de out.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 30 de out.

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Hoje, ser professor é uma das tarefas mais difíceis que alguém pode escolher. Não temos prestígio, respeito e, pouco a pouco, estamos perdendo até a dignidade. Ser professor, nos tempos atuais, é quase um ato de resistência. Enquanto alguns grupos neoliberais desmontam direitos, jogam a população contra os educadores e nos empurram para o ostracismo econômico, outros servidores públicos seguem sendo reconhecidos. O professor, porém, segue invisível. Vivemos tempos sombrios, onde a ignorância é aplaudida e o saber, desacreditado.


Nas escolas, a realidade é dura. A estrutura física se deteriora, os materiais somem, os salários encolhem, e, pior que tudo, a fé pública se esvai. Nossa palavra já não vale nada. O conhecimento, que deveria libertar, é tratado como algo ultrapassado diante da avalanche de desinformação. O professor, que sempre foi farol, hoje é tratado como um incômodo. Estamos num limbo social, onde ensinar é quase um ato subversivo.


Mas o paradoxo é cruel: nenhuma profissão existe sem um professor. Nenhum médico, juiz, engenheiro ou artista nasceu pronto. Todos, sem exceção, passaram por uma sala de aula. O mundo inteiro é movido por pessoas que um dia tiveram um professor. E, ainda assim, é justamente o professor quem mais sofre com o desprezo social.


Vivemos em uma era de telas, filtros e pressa. Um tempo de TikToks, YouTubes e ideias que duram menos do que um story. Nesse cenário de superficialidade, o papel do professor ficou em segundo plano. Estudantes, pais e até a comunidade mergulharam em uma alienação perigosa, esquecendo o valor real da educação, e daqueles que a constroem todos os dias.


Foi observando esse comportamento que percebi um fenômeno que chamo de “Síndrome da Dona Florinda”. Inspirado na série Chaves, vejo nas escolas uma repetição perfeita da ficção. Temos muitos “Kikos” e “Kikas” por aí, crianças mimadas, sem limites, dissimuladas, prepotentes, incapazes de lidar com o não. São pequenos tiranos que acreditam ser o centro do universo e que, quando contrariados, fazem de tudo para desestabilizar o professor.


Do outro lado, surgem as “Donas Florindas” e os “Florindos”, pais e responsáveis que terceirizam completamente a educação dos filhos. Não impõem limites, não exigem respeito, não cultivam a empatia. Entregam tablets, celulares e redes sociais para ocupar o lugar da convivência. Mimam, protegem, defendem o indefensável e acreditam que o amor é não dizer não. O resultado é devastador: crianças emocionalmente frágeis, intelectualmente preguiçosas e socialmente desajustadas.


E, claro, há os “Seus Madrugas”, nós, professores, pedagogos, inspetores, educadores em geral. Aqueles que, mesmo cansados, insistem. Que, mesmo desvalorizados, continuam acreditando que ensinar ainda pode transformar o mundo. Somos nós que apanhamos, levamos a culpa, e raramente somos compreendidos. Como no seriado, o Seu Madruga nunca se dá bem, mas, mesmo assim, está sempre lá, de pé, lutando com dignidade.


As consequências dessa síndrome já se fazem sentir. Cresce uma geração incapaz de ouvir, de esperar, de respeitar. Jovens com dificuldade de concentração, sem resiliência emocional e com um ego desproporcional à sua maturidade. Crianças que não suportam a frustração e acreditam que o mundo existe para servi-las. No futuro, serão adultos inseguros, intolerantes e infelizes, porque o mimo demais mata a fortaleza e o excesso de proteção destrói o caráter.


E a educação, nessa engrenagem enferrujada, vai se desmanchando aos poucos. A autoridade do professor se esvai, o diálogo se perde, e a escola vai virando um palco de conflitos, onde todos falam e ninguém escuta. A consequência social disso é profunda: uma sociedade que desvaloriza o saber caminha inevitavelmente para a barbárie.

Ser professor, hoje, é ser um sobrevivente entre os escombros do respeito. Mas também é ser teimoso o bastante para acreditar que ainda vale a pena. Porque, no fim das contas, mesmo sem aplausos, é o professor quem mantém acesa a última chama da lucidez.


E talvez, quando o barulho do mundo cansar até os mais alienados, perceberão que, enquanto todos dormiam, havia alguém insistindo em ensinar, mesmo sem reconhecimento, mesmo sem plateia.


Esse alguém era o professor.


Prof. Daniel Mota


Prof. Daniel Mota possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (1996), especialização em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) Campus Curitiba e é pós-graduando na UNESPAR - Universidade Estadual do Paraná, Campus de Apucarana FECEA-PR. Com 30 anos de experiência na área da educação, trabalhou por 25 anos no mercado financeiro e é funcionário da rede pública de ensino do Estado do Paraná. Além disso, é proprietário e editor do site Os Argonautas Mídia Alternativa e fundador e proprietário do projeto pela democratização da leitura, Sebo Apucarana.

 
 
 

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