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"Entre Dois Mundos: Uma Jornada Contra a Desigualdade e o Racismo"


Neste relato, quero transmitir as minhas primeiras percepções sobre a desigualdade social, cultural e racismo, bem como esse sentimento triste que assolou minha família em um momento tão sublime.


Bem, quando criança em minha cidade natal, aos cinco anos, não entendia por que as pessoas da minha comunidade, uma vila chamada Cidade Nova, no município de Marabá, no Estado do Pará, haviam pessoas muito pobres que tinham tão pouco e outras abastadas que possuíam mais do que precisavam para viver. Já naquele momento, questionava a desigualdade e buscava de alguma maneira entender isso, mas é óbvio que não compreendia. No entanto, ali, naquelas circunstâncias, minha alma já percebia como o mundo é um dualismo social: uns têm tanto e outros não têm nada.


Percebi esse dualismo quando tínhamos que atravessar o Rio Itacaiúnas, que divide a cidade em duas partes, e também quando íamos no final de semana para a casa da minha querida vovó Emília, uma mulher preta, franzina e muito religiosa.


Lá, percebia essa divisão de uma forma mais acentuada, nas coisas que eram captadas pelo meu ser: no bairro, no tipo de construção da casa, na alimentação, e na forma como vivia meu primo, minhas primas, meus tios e tias.

Não os culpava pela qualidade de vida, pelo conforto ou pelas boas circunstâncias que viviam, mas apenas queria entender por que essa diferença de qualidade de vida e de perspectivas.


Passaram-se alguns anos, e minha mãe, uma mulher preta, guerreira e muito inteligente, percebeu o que eu já havia percebido: que nossa comunidade já estava programada a viver aquele determinismo social, e precisávamos sair daquele mundinho. Fazendo uma anamnese, todos que ficaram naquela pequena comunidade, às beiras da fazenda do Mané de Barros, reproduziram as mesmas circunstâncias, os dramas e a felicidade de forma limitada daquele lugar.


No ano de 1976, um tio que morava em Curitiba nos convidou para morar na capital do Paraná, Curitiba, uma cidade linda, moderna e acolhedora. Lugar de gente bonita, feliz, onde em nosso imaginário seríamos mais felizes e com qualidade de vida e oportunidades melhores.


Então, no ano seguinte, 1977, meus pais decidiram mudar para Curitiba. Ajustaram todos os detalhes com meu tio, que prontamente providenciou escola, trabalho para os meus pais, e inclusive havia alugado uma casa para nossa família: uma casa de madeira, linda e confortável para iniciar nossa nova vida em Curitiba.


Segundo meus pais, eles haviam pago o aluguel adiantado de três meses na nossa nova casa, confortável na linda Curitiba.


A nossa viagem para Curitiba demorou 48 horas, e percorremos de ônibus entre Marabá/PA e Curitiba/PR aproximadamente uma distância de 2804 km.


Nesta viagem, via a felicidade de meus irmãos e de minhas irmãs, percebia a empolgação, ouvia eles fazendo planos, sonhando acordados. Era uma felicidade só, uma energia boa que emanava daqueles corações simples cheios de esperança.


Chegando na Rodoviária, começou o drama que vai percorrer toda nossa jornada: o drama do racismo, da indiferença, da falta de empatia. Um drama que você não entende quando criança, mas você sente, percebe os sentimentos, os olhares, o tom das vozes, o clima tenso entre os interlocutores, mas não consegue digerir e não faz sentido quando você nunca sentiu.


Minha mãe e meu tio tentando conseguir um táxi para nos levar para a casa nova foi tenso, pois percebi que as pessoas não nos queriam naquele lugar. Percebia os olhares à nossa volta, um sentimento de repulsa por nós, pelo nosso jeito, pela nossa pobreza e por quem éramos.


Naquele momento, consegui perceber que o preço de sair da zona de conforto era muito alto, no qual a minha família não estava preparada para pagar tal preço. Sentimos os dramas que todo migrante ou imigrante sofre ao sair de sua terra: o racismo e a xenofobia em sua própria terra e seu país.


Hoje consigo fazer essa leitura, hoje consigo reviver esse sentimento de tristeza que assolou aqueles corações simples, ingênuos e felizes.

 

Prof. Daniel Mota


*Esse texto que faz parte de uma coletânea sobre o racismo e as experiências racistas que nos deparamos ao longo de nossa existência.

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Prof. Daniel Mota, possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (1996). Especialização em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) Campus Curitiba. Pós-graduando na UNESPAR - Universidade Estadual do Paraná, Campus de Apucarana FECEA-PR. Professor com 30 anos de experiência na área da educação, em sala de aula com desenvolvimento de projetos educacionais nas áreas de Filosofia, História e Sociologia bem como consultoria educacional e financeira. Trabalhou por 25 anos no mercado financeiro, é funcionário da rede pública de ensino do Estado do Paraná, proprietário, editor do site Os Argonautas Mídia Alternativa, fundador e proprietário do projeto pela democratização da leitura, Sebo Apucarana.

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