Joaquim Maria Machado de Assis: O Imortal Entre as Palavras
- O Argonauta

- há 6 dias
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Em minha jornada literária, que começou aos treze anos de idade, quando aprendi a decifrar as letras e descobri nelas uma forma de existência, encontrei o refúgio que muitos buscam nas religiões, outros nas viagens, e alguns no silêncio. Fui alfabetizado no coração dos livros, e desde então, nunca mais consegui me desligar deles. Foi essa paixão, constante e exigente, que me levou às veredas da filosofia na Universidade Federal do Paraná e, mais tarde, à docência e ofício que carrego como missão e celebração. Hoje, através do Sebo Apucarana, procuro retribuir ao mundo um pouco do que os livros me deram: abrigo, inquietude e sentido.
Entre as muitas vozes que me acompanharam, algumas ecoam mais alto: Lima Barreto, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Lygia Fagundes Teles, Graciliano Ramos, Zélia Gattai, Jorge Amado e, mais recentemente, Paulo Coelho. Cada um deles me ensinou algo distinto, o olhar social, o lirismo, o sertão profundo, o feminino, a secura e a doçura, o popular e o místico. No entanto, há um nome que paira acima de todos, não por soberba, mas por mistério e profundidade: Machado de Assis.
Ele, Machado nasceu no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro de 1839. Filho de um pintor de paredes e de uma lavadeira, mestiço, gago e epiléptico, uma letra lazarenta, teve tudo para não ser ouvido. Mas fez-se ouvir, e, mais que isso, fez-se eterno. Autodidata, leu os clássicos franceses, ingleses e portugueses, absorvendo deles o rigor da forma, mas sem nunca perder a alma brasileira. Com o tempo, tornou-se tipógrafo, jornalista, cronista, dramaturgo e, acima de tudo, romancista e contista de gênio.
Em 1897, ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, da qual foi o primeiro presidente e motivador. Ali, no coração do Rio de Janeiro, ergueu não apenas uma instituição, mas um símbolo de que a palavra pode vencer a desigualdade e a indiferença.
Para informação, a literatura machadiana possui duas fases clássicas : uma romântica, que não me encantou muito, essa fase é marcada por obras como Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia; e outra, mais madura e revolucionária, na qual me fascina e o realismo psicológico, inaugurado com Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881).
É nesse ponto, acredito que Machadão abandona as convenções sentimentais do século XIX, e suas influências estrangeiras, e se lança a uma exploração da alma humana. Brás Cubas é narrado por um defunto, e é talvez, desculpe minha pretensão, seja o primeiro livro do mundo em que a morte se torna ponto de partida para a ironia. Nesse gesto, sem dúvida, Machadoviski, antecipa Freud e Kafka, no qual revela que o verdadeiro palco da literatura é a mente.
Já, em seu devaneio, ele, em Quincas Borba, a filosofia se mistura à loucura e o “Humanitismo”, paródia das filosofias positivas e utilitaristas, ele mostra o homem como um animal que ri de suas próprias ilusões. E, não menos importante, em Dom Casmurro, a dúvida se torna protagonista. Capitu traiu ou não traiu? Machado nos oferece um espelho, e cada leitor vê ali o reflexo de sua própria insegurança.
Meus estimados, sou suspeito para falar, mas, nos contos, Assis, alcança uma precisão quase científica e uma sensibilidade poética sem igual. Na obra, O Alienista é uma sátira genial sobre o poder e a loucura institucionalizada, e muito comum na passagem do séc. XIX para o séc. XX, e não podemos esquecer do texto, A Cartomante, que é um estudo sobre o destino e a crença, bem como outros contos como, Missa do Galo e O Espelho revelam a delicadeza com que ele tratava o silêncio e os não-ditos da vida cotidiana. O cara, é muito phoda, pois, nos mostra outras facetas de seus textos.
Neste sentido, o “Homi”, Machado tinha o dom de transformar o comum em eterno. Um olhar, uma pausa, um gesto interrompido, tudo se tornava matéria de literatura que embebedava qualquer moribundo.
Então, nesta reflexão Machadiana, não podemos esquecer, se Graciliano Ramos revelou a covardia com os mais vulneráveis e o sertão árido, Jorge Amado exaltou a Bahia colorida, e nosso protagonista Machado de Assis explorou o território mais complexo de todos: o interior humano, a alma brasileira. Suas histórias se passam em salões, becos, jantares e delírios, mas falam sempre de vaidade, desejo, hipocrisia e solidão, temas universais presentes me nossa cultura.
Não podemos esquecer, que sua ironia é discreta, seu humor, amargo; mas, por trás da crítica, há compaixão. Ele, não julga, apenas observa. E talvez seja por isso que, mais de um século depois, ele ainda nos lê melhor do que nós o lemos.
Ler Machado é confrontar-se com o tempo, com a dúvida e com o espelho. É entender que a literatura não serve apenas para narrar histórias, mas para descobrir quem somos. Ele nos ensina que a genialidade pode nascer da adversidade e que o verdadeiro escritor é aquele que vê o mundo com olhos de eternidade.
Machado de Assis sem sombra de dúvidas, é, enfim, o símbolo do Brasil que pensa, sente e escreve. Um homem que, mesmo cercado por limitações sociais, ergueu-se sobre elas e transformou sua dor em arte. Sua pena continua viva, desafiando os séculos e nos lembrando que a alma humana e brasileira, com toda sua beleza e contradição, ainda é o maior enigma a ser decifrado.
Recomendo, a todos nossos leitores que façam uma odisseia pelo universo literário de Joaquim Maria Machado de Assis.
Prof. Daniel Mota
Prof. Daniel Mota possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (1996), especialização em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) Campus Curitiba e é pós-graduando na UNESPAR - Universidade Estadual do Paraná, Campus de Apucarana FECEA-PR. Com 33 anos de experiência na área da educação, trabalhou por 25 anos no mercado financeiro e é funcionário da rede pública de ensino do Estado do Paraná. Além disso, é proprietário e editor do site Os Argonautas Mídia Alternativa e fundador e proprietário do projeto pela democratização da leitura, Sebo Apucarana.

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