MINHAS LEITURAS E ADMIRAÇÃO POR LIMA BARRETO
- O Argonauta

- 16 de nov.
- 4 min de leitura

Relembrando minhas leituras, acredito que não poderia deixar de compartilhar minha profunda admiração por Lima Barreto, um dos maiores escritores do pré-modernismo brasileiro, cuja vida e obra me tocam de maneira especial. Gosto da intensidade com que ele escreve, do sarcasmo que afia sua pena e da coragem com que denuncia as mazelas do Brasil da República Velha, um Brasil marcado pelo escrotismo das elites escravocratas, pela servidão dos militares e por religiosos distantes da verdadeira humanidade. Creio que sua voz segue viva, pulsante, desafiando-nos a olhar para nossa história com olhos críticos e coração aberto.
Lima Barreto nasceu em 13 de maio de 1881, no Rio de Janeiro, em uma família de origem modesta. Filho de um médico afro-brasileiro e uma mãe branca, enfrentou desde cedo o preconceito racial e social que marcaram sua vida e alimentaram sua obra literária. Desde jovem, demonstrou brilhantismo acadêmico, conquistando bolsa para estudar na tradicional Escola Politécnica do Rio, mas, em meio a dificuldades financeiras e crises pessoais, não chegou a concluir o curso. Essas experiências fragilizaram sua saúde, pois conviveu com uma saúde mental delicada, fato que também impregnou sua escrita com uma sensibilidade única. Sua luta para ingressar na vida pública e ser reconhecido como escritor foi marcada por obstáculos ligados à sua cor e origem social, o que só aumentou sua veia crítica, sempre voltada contra as injustiças, o racismo e a exclusão social.
Ainda assim, Barreto nunca desistiu da escrita como instrumento de denúncia e transformação. Trabalhou durante muitos anos como funcionário público e jornalista, campo onde brilhantemente utilizou o jornalismo para veicular sua crítica social. Não tenho dúvidas de que seu compromisso com a “literatura militante”, como ele mesmo denominava seu trabalho, surgiu de sua convicção de que o escritor deve ser uma voz ativa na luta contra as desigualdades e a hipocrisia que corroem o país.
Seus personagens são verdadeiros retratos da alma brasileira em conflito. Policarpo Quaresma, protagonista de Triste Fim de Policarpo Quaresma, é um patriota sonhador e ingênuo que enfrenta o choque brutal entre idealismo e a dura realidade da República Velha. Como ele mesmo nos diz: “O Brasil não sabe o que quer; e, no entanto, sabe muito bem o que não quer.” Isaías Caminha, do romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha, revela com honestidade o preconceito e a exclusão social: “Um negro não tem direito nem de sofrer em paz.” Já em Clara dos Anjos, a dor da opressão racial e social ganha voz poderosa: “Ser branco, para ser burguês, e ser negro, para ser escravo.” Esses personagens encarnam a luta contra as injustiças que perduram até hoje.
Gosto também de destacar Os Bruzundangas, onde Lima Barreto cria um país fictício que espelha o Brasil, revelando os vícios e absurdos da política, da cultura e da justiça brasileiras. O presidente Luís Pinto simboliza a corrupção desenfreada, e o ministro do Interior, Alfredo Café Filho, representa a bajulação e a incompetência. Em suas palavras duras, Barreto sentencia: “A política não é ciência senão para os que têm a ciência de ladrão.” Essa obra é uma crítica feroz que permanece incrivelmente atual, mostrando sua habilidade em usar o humor como ferramenta de denúncia.
Acredito que Lima Barreto escreveu não apenas para contar histórias, mas para lutar, usando a literatura como uma arma social e política. Gosto de pensar que suas páginas são espelhos onde podemos ver nossas próprias feridas, convidando à reflexão e à transformação. Creio que seu legado vai muito além da estética literária: é um chamado à consciência crítica e à humanidade.
Não tenho dúvidas de que o Brasil deve a Lima Barreto uma eterna gratidão por ter sido aquela voz corajosa que desnudou os “brasileiros maus” e desafiou a construir um país mais justo. Como ele mesmo escreveu: “Eu não sou contra o Brasil, sou contra os brasileiros, e contra os brasileiros maus.”
Assim, a cada página por ele escrita, sinto a força de uma escrita que jamais envelhece, o pulsar de uma voz crítica, humana e necessária para o Brasil e para a literatura. Essa é a marca de um verdadeiro escritor, um eterno pré-modernista cujo legado permanece vivo e urgente em nossas letras e consciências.
Prof. Daniel Mota
Referências:
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma: Lima Barreto. Porto Alegre, RS: L&PM, 1999.
BARRETO, Lima. Recordações do Escrivão Isaías Caminha. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010.
BARRETO, Lima. Clara dos Anjos. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.
BARRETO, Lima. Os Bruzundangas. São Paulo: Ática, 1998.
____________________________________
Prof. Daniel Mota possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (1996), especialização em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) Campus Curitiba e é pós-graduando na UNESPAR - Universidade Estadual do Paraná, Campus de Apucarana
. Com 33 anos de experiência na área da educação, trabalhou por 25 anos no mercado financeiro e é funcionário da rede pública de ensino do Estado do Paraná. Além disso, é proprietário e editor do site Os Argonautas Mídia Alternativa e fundador e proprietário do projeto pela democratização da leitura, Sebo Apucarana.

Comentários