O TEMPO COMO DEUS PARA OS APUKÁS

Há algum tempo, relatamos como os Apukás compreendem o Tempo e de que forma ele se entrelaça com suas vidas cotidianas. Neste relato, apresentamos o Tempo como uma divindade da qual os Apukás não podem se desvincular, pois ele está intimamente ligado à essência de suas almas, corpos e destinos.
Para os Apukás, o Tempo determina a própria existência. Sua visão sobre o Tempo está relacionada à ideia de destruição e renovação, pois acreditam que o universo já passou por inúmeras eras, todas marcadas por catástrofes que, subsequentemente, deram lugar à benevolência do Tempo. Para eles, o Tempo não é linear, mas sim um eterno retorno de ciclos interligados.
O Tempo, senhor dos ciclos e dos destinos, ecoa seu nome nos cantos das florestas e nos sussurros dos anciãos que tentam decifrar sua vontade. Desde o primeiro nascer do sol até a última estrela que se apagará, é o Tempo que traça os caminhos dos homens, dos rios e das árvores. Ele não se resume a um simples contador de dias; o Tempo é uma entidade viva, dotada de vontades e caprichos.
Por vezes, o Tempo se mostra generoso, concedendo longas colheitas, fazendo brotar os frutos mais doces e multiplicando os rebanhos. Permite que o vento dance suavemente sobre as aldeias e que as crianças cresçam fortes e sábias. Quando está de bom humor, o povo celebra sob a lua cheia, e os rios correm cheios, abençoando a terra com vida.
No entanto, há momentos em que o Tempo parece perder a paciência. Quando os homens ousam desafiar os ciclos que ele estabeleceu, os céus se fecham e a seca devora as plantações. Os ventos tornam-se ferozes e as tempestades rugem como feras famintas, trazendo pragas e desespero. É um lembrete de que, sem o Tempo, nada existe, nada cresce e nada perdura.
Falar do tempo, é necessário buscar a lenda de seu grande amor, a Eternidade e nesta odisseia de amor, o Tempo, apaixonado pela Eternidade, resolveram casar e desde amor, veio seus cinco filhos.
No princípio dos dias, quando o universo se moldava com mistério e magia, nasceram os Filhos do Tempo, que encarnam as forças vitais responsáveis por dar forma, movimento e vida ao mundo. São eles: Luz, Água, Terra, Ar e Escuridão.
A Luz surgiu como a fonte de toda inspiração. Com seu brilho radiante, é a mensageira do conhecimento e da clareza, despertando a esperança, iluminando caminhos e fazendo florescer as sementes do novo. Mesmo nas sombras, a verdade encontra seu lugar através dela.
A Água flui com a graça de um rio sereno e, ao mesmo tempo, com a força de uma tempestade transformadora. Ela simboliza a mudança e a renovação, capaz de esculpir montanhas e suavizar as arestas mais ásperas. Em cada gota reside a memória dos tempos passados e a promessa de um futuro em constante metamorfose.
A Terra representa a fortaleza da criação, o berço da vida e da sabedoria ancestral. Com sua solidez, acolhe todas as formas de existência, permitindo que raízes se aprofundem e histórias sejam contadas por gerações. Terra ensina a importância da estabilidade, do respeito aos ciclos naturais e da conexão com a herança de cada ser.
O Ar é o espírito livre, o mensageiro invisível que carrega segredos e sussurros pelo mundo. Leve e indomável, transforma pensamentos em sonhos e sonhos em realidade, servindo de ponte entre o invisível e o tangível. Ele nos lembra que a liberdade e a criatividade não conhecem limites.
A Escuridão, por sua vez, não simboliza o fim, mas o início dos mistérios. Envolvendo o universo com um manto de silêncio e introspecção, permite que o oculto e o desconhecido ganhem voz. Escuridão guarda a sabedoria dos segredos, incentivando a busca pelo autoconhecimento e a valorização dos momentos de pausa e reflexão. Em sua quietude, revela que, muitas vezes, é na ausência de luz que se encontram as respostas mais profundas.
Juntos, os Cinco Filhos do Tempo tecem a tapeçaria da existência, cada um desempenhando seu papel com maestria e respeito. Luz inspira, Água renova, Terra sustenta, Ar conecta e Escuridão revela as verdades escondidas. Assim, o universo segue seu eterno ciclo, onde os opostos se complementam e o equilíbrio é a essência de toda a criação.
Que possamos aprender com a sabedoria desses filhos ancestrais, reconhecendo que cada elemento — seja visível ou oculto — tem seu valor na dança infinita do Tempo. Em cada ciclo de renovação, somos convidados a celebrar a diversidade e a encontrar harmonia na união dos contrastes.
E por fim, o Tempo revela sua dualidade. Ele também um senhor cruel, cuja justiça não conhece piedade. Arranco a juventude dos guerreiros e conduzo os mais sábios ao reino dos ancestrais antes que possam transmitir todo o seu saber. Faço os homens implorarem por mais tempo, mas raramente o concedo. Tem uma fome é infinita, alimenta-se dos dias que rouba, dos sonhos que se perdem e das promessas que jamais se cumprem.
Ainda assim, ele é indispensável. Sem ele, não haveria história, lembranças ou esperanças. Ele é tanto a luz que anuncia o amanhecer quanto a sombra que encerra o crepúsculo. E assim, continua a eterna dança, brincando com os destinos, concedendo e tirando, sempre à espera de quem ousará desafiar-me novamente.
O tempo é a divindade que alimenta todos nós!!
Prof. Daniel Mota
Texto inspirado na obra de Horace Miner In: A.K. Rooney e P.L. de Vore (orgs) You and the others: Readings in Introductory Anthropology (Cambridge, Erlich) 1976, “Ritos corporais entre os Nacirema”.
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